Tomboy (2005)

Dirigido por Céline Sciama. Tomboy certamente é um dos filmes mais impactantes sobre infância, descobertas e a (não) naturalização de papéis de gênero. O longa enfoca algumas semanas na vida de Laure (Zoé Herán), que ao se mudar para um novo condomínio com a mãe grávida, o pai e a irmã assume gestos, vestimentas e comportamento do gênero oposto, inclusive com um novo nome – Mickael.

O longa apresenta com grande sensibilidade um processo que poderia ser melhor descrito como uma experiência de transgenerismo. Assim, Laure processualmente passa a viver como Mickael fora de casa, e como Laure lá dentro. Neste sentido, é um mérito absoluto do filme apresentar tanto a desnaturalização da associação entre sexo e gênero (respectivamente macho e fêmea, homem e mulher) como nuançar uma realidade dada pela natureza que parece fortemente dicotômica. Ou se é uma coisa ou outra, não existindo negociação possível.

A experiência de Mickael/Laure demonstra, talvez, o contrário. Por um lado, existe uma bagagem da experiência anterior da protagonista sobretudo na forma de vestir e na escolha de elementos e brincadeiras que tem a ver com o universo masculino, ao lado da própria proximidade com o pai. Por outro, é a experiência concreta dele/a que dá um sentido generizado e transgenerizado para o conteúdo do filme. Em outras palavras, a barreira entre as meninas-molecas, que se divertem com brincadeiras de meninos e usam roupas mais masculinas ou unisex, e as meninas transgênero pode ser muito mais fluída do que o olhar do que o espectador pode esperar.

O filme, conteúdo, parece referendar uma experiência de transgenerismo por em alguns momentos fundamentais: na escolha persistente de um nome próprio, na opção deliberada por roupas masculinas, e até mesmo na adequação do corpo que era possível de ser realizada para uma criança com menos de dez anos. Sensível, o filme não disfarça os momentos de tensão e de repressão, mas sem carregar demasiadamente nas cores. Neste sentido, é interessante a fala da mãe, ao desmascarar a farsa da filha: “eu não estou fazendo isto para punir você. Mas eu não sei mais o que fazer. Se você tiver uma ideia melhor, diga agora mesmo”. O leva o telespectador a pensar, também, sobre o quanto arranjos binários são limitadores dos sujeitos que passam por experiências divergentes da norma, como naqueles que se relacionam com eles.

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