A difícil caminhada de ser pai…e gay: Parte I

Vaca profana, põe teus cornos
Pra fora e acima da manada
Vaca profana, põe teus cornos
Pra fora e acima da man…
Ê, ê, ê, ê, ê,
Dona das divinas tetas
Derrama o leite bom na minha cara
E o leite mau na cara dos caretas

Acabo de ver na comunidade do Núcleo UNISex uma notícia sobre a reação raivosa de pessoas que comentaram as fotos de uma família na internet. As fotos não poderiam ser mais singelas – o casal arrumando o cabelos das filhas, diante de enfeites de natal, se abraçando, ou sentados no sofá. Cenas do cotidiano, enfim, que provavelmente são registradas por pessoas em diversos lugares do mundo, em cada momento.

Kaleb e Kordale parecem muito à-vontade nas fotos ou tanto quanto é possível com três filhos para criar. Em verdade, as cenas seriam perfeitamente banais. Um tipo de “foto ligeira” que se tira do celular quando a cena é tão hilária, sem pose, perfeição, photoshop ou o que seja. Verdadeiras janelas para o dia-a-dia de outras pessoas. A grande diferença, neste caso, era o fato de que o papel era desempenhado por… dois homens.

Recentemente, li um texto onde o autor defendia – com ótimos argumentos, sobretudo de ordem psicológica – que os relacionamentos entre famílias com pais do mesmo sexo ou do sexo oposto tem, essencialmente, os mesmos problemas. É um relacionamento, e estar em um relacionamento significa ter problemas e questões que são comuns a todos os relacionamentos. Com o devido respeito ao conhecimento do tema sob o viés psiclógico, que eu absolutamente não domino, acredito que existe uma diferença enorme entre os dois tipos de relacionamento.

Eles possuem pesos diferentes. Quando se foge do normal de alguma coisa, mesmo que apenas em um aspecto – no caso, das definições do sexo dos pais de família socialmente aceitas como hegemônicas ou hegemonizadas –  existe uma subversão que revela muitas coisas. Primeiro, demonstra o grau de construção de coisas que parecem muito “naturais”, com os pressupostos em torno da ideia família, a exemplo do lugar da mulher e mãe no cuidado das crianças. Papéis e expectativas perdem espaço, importância, lugar no caso de Kaleb e Kordale, onde o “cuidado dos filhos” parece essencialmente um problema para os leitores da foto, mas não para o casal. Segundo: gestos, fotos e cotidiano são performatizados dependendo da identidade sexual e de gênero de sujeito. Assim, quando de alguma forma passa a ser performatizado por um outro que foge aos atributos – digamos, o papel de pais de família por dois homens, como no caso de Kaleb e Kodale, homens e gays – as fotos ganham, como dito na reportagem  um grau de transgressão que para alguns é insuportável e inaceitável. Transgredindo, mostram que papéis sociais são construções que podem – e devem! – ser questionadas e revertidas. Provocam mal estar, ao revelar que de perto ninguém é normal. Se a grande estratégias das ideias que se querem hegemônias, e acima de tudo daqueles que lucram com elas é defender que existe normalidade\perfectibilidade e anormalidade\imperfectibilidade, e que as pessoas podem ser hierarquizadas em função disto – ou do grau de aproximação de um ou de outro extremo – .fotos como a de Kordale e Kaleb são um verdadeiro perigo. Mostram, enfim, o quanto a hegemonia se baseia mais na ignorância de outras possibilidades, e na verticalidade entre pessoas, que produzem desigualdades, preconceitos. E morte.

O que leva a propalada reação dos comentadores da foto. Num momento no qual a homoparentalidade está se tornando uma possibilidade visível e disível para os mais diferentes tipos de pessoas – sobretudo gays – a violência verbal e simbólica das reações – afinal, não podemos esquecer que é o cotidiano íntimo revelado – mostram que, quando os instrumentos mais sutis de coação de minoria falham, a violência é sempre um recurso possível. Violência legitimada pela religião, e por definições da fé de casamento e família. Violência baseada na letra fria e morta do que legisladores escreveram há séculos do tema. Violência baseada, não raras vezes, só no desconforto de não querer lidar com as diferenças e as diversidades.

2 Comentários em A difícil caminhada de ser pai…e gay: Parte I

  1. Nossa, respondendo meses depois. Shame on me!

    É verdade, Mario. Não apenas do convencional, mas quase do compulsório de certos pensamentos os quais, no frigir dos ovos, são aprendidos, e não “naturais”.

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