Você já saiu do armário hoje?

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Normalmente tomamos a idéia de sair do armário como um evento pontual. De fato é possível, em retrospectiva, localizar algum momento particularmente significativo na vida da pessoa em que ela precisa se posicionar acerca de sua sexualidade, seja diante da família, de amigos, etc. Esse episódio, marcante e especialmente importante na vida de qualquer homossexual ou bissexual, é inicio da construção de uma auto-imagem mais integrada, onde elementos de sua sexualidade não precisam ser ocultados de tudo e de todos. Ir a parada gay pela primeira vez, por exemplo, para muitos significou uma marcante saída do armário.

No entanto, muitas vezes somos colocados em novas situações em que é preciso sair do armário novamente. Pois o fato é que, por padrão, somos todos considerados heterossexuais e, sempre que entramos em contato com alguém ou uma situação nova, a expectativa inicial é de que não somos gays, lésbicas ou bissexuais. Uma mudança de emprego, por exemplo, pode significar um retorno ao armário. Não é raro acontecer de, ao sair de uma empresa onde sua homossexualidade é vivida de forma natural (com, por exemplo o companheiro participando de eventos abertos às famílias dos empregados) e mudar-se para outra firma, um rapaz gay decida voltar para o armário. Os motivos são muitos: um ambiente pouco acolhedor, as inseguranças de estar num emprego novo e o peso de ter que enfrentar tudo de novo pode fazer com que a saída do armário seja adiada indefinidamente.

Mas o mais curioso é que, não apenas em situações novas temos que enfrentar o armário. O fato é que, como para muitas pessoas a homossexualidade é um assunto tabu, que causa desconforto e com as quais não possuem nenhuma experiência com que lidar, preferem ignorar as informações recebidas.  Eu mesmo me recordo de ter de “lembrar” à um amigo que eu era gay por três vezes, fato que ele insistia em “esquecer”. São histórias comuns, como aquela tia que mesmo sabendo que você e sua namorada dividem um apartamento insiste em apresentar rapazes que são ótimos partidos. Ou o parente que insiste em chamar seu namorado de seu “amigo”. Muitas vezes sem se dar conta, sob a desculpa de que não querem nos constranger, negam nossos parceiros e laços afetivos, empurrando para debaixo do tapete familiar.

E há, claro, o caso clássico, que já pude ouvir de vários jovens: depois de sair do armário para os pais, esperando uma catástrofe, acorda no dia seguinte como se nada tivesse acontecido. O que parece um alento no primeiro momento vira um episódio surreal, onde todo o drama e choro do dia anterior sumiram mas também parece que toda a conversa também desapareceu da mente de seus pais. Em muitos casos os adolescentes acabam aceitando a encenação dos pais e nunca mais tocam no assunto, deixando de compartilhar com eles suas vidas afetivas diante do fato de que sua homossexualidade é tão insuportável que os pais preferem fingir que não sabem de nada.

A grande vantagem é que, mesmo nos casos mais extremos, sair do armário pela segunda (e terceira, quarta…) vez costuma ser mais fácil que da primeira. Mesmo no caso de parentes que preferem adotar o comportamento de avestruz, é saudável lembrá-los de vez em quando de que a verdade já foi exposta e que a encenação, além de um certo ridículo, pode ser um tanto dolorosa para todos. Principalmente porque se armário já não é agradável na primeira vez que estamos lá, sermos convidados a ter que voltar para ele é causa de angústia e sofrimento.

O fato é que sair do armário é um ato constante e cotidiano. Nem de longe significa sair apresentando-se como gay a cada pessoa que se conhece, pois o verdadeiro sair do armário não está numa declaração bombástica. Muito pelo contrario, na verdade sair do armário é permitir-se as mesmas liberdades e os mesmos direitos que todos possuem, agindo com naturalidade e de acordo com a sua forma de ser. Da próxima vez, basta você sorrir e dizer: Amigo(a)? Ah, não, é meu(minha) namorado(a)…

1 Comentário em Você já saiu do armário hoje?

  1. Adorei este artigo, eu nunca tinha encontrado ninguém que explicasse tão bem tudo isso, alguém que entendesse de todos esses detalhes, normalmente desconhecidos ou ignorados pela maioria por puro preconceito. Aliás o site está de parabéns, muito exclarecedor, mostra pensamentos que eu não vi serem explanados em nenhum outro lugar, coisas que eu já havia concluído há muito tempo, só raciocinando sozinha, e agora vejo que tem mais gente de cabeça aberta de verdade nesse mundo, isso é muito bom! É muito desagradável ter que passar a vida se reprimindo, sem ter ninguém que te entenda, que não te critique e não queira fazer você mudar, ou simplesmente, pessoas que não se afastem de você depois que você se revele… pois isso realmente dói no coração. Nem sempre você pode simplesmente sorrir e dizer “é meu(minha) namorado(a)”. Seria muito bom se tudo pudesse se resolver tão facilmente…
    Bem, mas agradeço pela ajuda, um grande abraço. 🙂

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