Orações para Bobby

 

Morte e redenção em Orações para Bobby *

Dentro da comunidade gay, poucos filmes devem gozar da mesma importância de Orações para Bobby, longa-metragem para tv dirigido por Russel Mulchay. Produzido para tv em 2009, trata-se de um dos filmes mais comentados da comunidade gay, praticamente constando como uma unanimidade no quesito importância e relevância da produção. Em tempos de fundamentalismo religioso militante e raivoso, agressivo, constitui um hino contra a intolerância do fundamentalismo cristão.

O filme se baseia na experiência real de Bobby (Ryan Kelley) e sua mãe, Mary Griffith (uma inspirada Sigourney Weaver), mãe de família profundamente cristã, a partir da descoberta da homossexualidade de seu filho mais novo, Bobby Griffith. Com enorme dificuldade em lidar com a descoberta do filho, a única saída possível para Mary aparece na forma de um tratamento psicológico aliada a uma estratégia de busca de conforto religioso que permitiriam a Bobby superar sua “doença”. Progressivamente, o jovem entra numa espiral de tristeza profunda, alimentada por uma dolorosa aceitação da própria homossexualidade acompanhada por enormes conflitos com a mãe, até o ponto do rompimento: decidido a viver sua sexualidade e o amor pelo namorado em outra cidade, Bobby termina rompendo com a família e indo morar em Portland. Uma vez lá, a distância marca muito mais o desenraizamento de Bobby – alheado, por um lado, do núcleo familiar, e, por outro, do namorado que o traiu – do que a liberdade que o rapaz aspirava. Entendendo que não tinha opções, Bobby termina retirando a própria vida, numa bela cena, que passa com maestria a confusão e desamparo do personagem.

A morte de Bobby marca a clivagem central do filme, e divide muito claramente os dois momentos que a personagem de Mary vive. Se o primeiro é marcado pelo endurecimento de sua visão de mundo, passando a normatizar e controlar não só as amizades, mas, até mesmo, o jeito de corpo do jovem Bobby, o segundo momento do filme acompanha o processo de redenção de Mary; não apenas pela aceitação da homossexualidade do filho e revisão e mudança de seus atos anteriores, mas, igualmente, por uma tomada de posição a respeito disto: se antes a preocupação de Mary estava nas implicações terrenas|sociais e além-vida da homossexualidade do filho, agora a morte e a descoberta das dores e sofrimentos de Bobby terminam por marcar uma completa reconfiguração de mundo para Mary. De fundamentalista cristã, empenhada na leitura literal dos versículos que supostamente condenam a homossexualidade, Mary se converte em uma militante pró-direitos LGBTT, profundamente preocupada com o efeito dos discursos homofóbicos, sobretudo os de orientação cristã fundamentalista sobre jovens homossexuais. A redenção de Mary é o tema desta segunda parte, e a militância termina por funcionar como catalizador do processo de perdão e da possibilidade de seguir em frente, reconciliando o passado e tentando um futuro melhor.

Com atuações boas e cenas comoventes, é o tipo de filme-bomba que poderia ser exibido a pais religiosos de jovens gays, pouco atentos as consequências funestas do seu preconceito. Rapidamente o telespectador cria empatia com Bobby, o tipo de rapaz perfeito, assim como passa a ter compaixão por Mary, com o adicional de colocar em xeque dogmas religiosos não por meio de oposições a doutrina as igrejas cristãs, mas por ministros religiosos que propõem outras interpretações da Bíblia. Neste verdadeiro “caminho do meio” o filme coloca na agenda da mensagem cristã o respeito e aceitação de outras formas de amor, constituindo uma plataforma poderosa para abalar certezas de religiosos convictos.

Mesmo com os problemas de um filme para a tv, como por exemplo um excesso de didatismo na primeira parte, e uma tendência a “correr” com processos de descoberta e aceitação dos personagens, não deixa de ser um dos filmes mais interessantes do gênero.

* O filme é baseado no livro de Leroy Aarons, Prayers for Bobby: A Mother’s Coming to Terms with the Suicide of Her Gay Son, editado em 1995, contando a história de Mary, e conta com excertos do diário de Bobby.

 

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