O filme de Jamie Babbit é repleto de esterótipos, mas está longe de simplesmente conformar-se a eles, pois estes muitas vezes aparecem para serem subvertidos ou pelos menos ferozmente satirizados. A drag queen RuPaul interpretando um homem ex-gay que tenta desempenhar o papel social estereotipado de um homem heterossexual é uma boa síntese para essa divertida brincadeira com as máscaras e expectativas sociais.
A trama se inicia quando uma líder de torcida, função que é simbolo heterossexual de feminilidade na cultura estadunidense, é confrontada, para sua completa surpresa, com a afirmação de seus pais, amigas e namorado de que seria lésbica. A protagonista nega completamente essa possibilidade, afinal é uma cheerleader e não pode ser gay. Alguns estereótipos observados em seu comportamento e escolhas são usados para validar a opinião de que ela seria homossexual e, completamente a revelia, ela é levada para uma instituição de cura gay onde acontece a maior parte da história.
O processo de cura da homossexualidade, nessa instituição para jovens de ambos os sexos, é através da conformidade com papéis de gênero. Eles são estimulados a representar diversos aspectos fortemente estereotipados do que é ser homem e mulher e, apesar destes soarem humorísticos e ridículos, os métodos aplicados não são completamente distantes de algumas técnicas experimentadas por instituições reais que afirmam ter a capacidade de converter a orientação sexual. Mesmo se tratando de uma comédia, o filme não deixa de mostrar como sentimentos de culpa, vergonha e rejeição atingem aqueles que se submetem a esse tipo de tratamento.
A turma em que a protagonista irá graduar-se heterossexual é composta de uma variedade de personagens com perfis e motivações muito distintas para estarem lá. Há aqueles que acreditam no método e outros que estão concordando apenas para fugir da perseguição ou chantagem dos pais. Nesse conjunto, existem os que conseguem se adaptar melhor aos papéis de gênero que outros, sendo melhor avaliados pela tirânica coordenadora do grupo. Essa adaptação aos esterótipos nunca parece vir com a mudança do desejo sexual, que aliás permeia várias interações entre os participantes, resultando em alguns envolvimentos românticos. Como resultado do curso, encontramos aqueles que são excluídos por não reproduzirem o comportamento esperado, os que rejeitam o método voluntariamente e aceitam suas características pessoais, aqueles que se conformam ao papel apenas pela convenção e os que mantém um certo grau de auto-engano, evidenciado quando deixam escapar seus desejos homossexuais em cenas cômicas. Algumas vezes as brincadeiras com estereótipos tenta preparar armadilhas para os preconceitos do espectador, como uma personagem secundária com trejeitos homossexuais que revela ser, de fato, heterossexual.
Divertido, But I’m A Cheerleader, pode ser assistido como uma comédia romântica para um entretenimento leve, mas oferece um bom conteúdo para pensar as associações entre papéis de gênero, expectativas sociais e os esforços para construir uma subjetividade própria, nem sempre conformado a esses modelos.
Coordenador do Núcleo UniSex, escreve sobre cultura LGBTQIA+, comportamento digital e saúde mental. Atua como psicoterapeuta afirmativo e de casais/famílias diversas em neuropsipro.com.
Comentário funcionam!! Feliz da vida aqui!
Paulo, quero destacar uma coisa. É interessante observar como o gênero, no filme, nos foi apresentado como uma coisa performática. Não como um todo integrado, fechado, mas como um conjunto de performances que podem ser aprendidas – e apreendidas!
Agora, queria te sugerir escrever um pouco sobre o (mal) uso do behaviorismo, tomando este filme como pretexto.
O maior problema do mau uso de conceitos Behavioristas para mim são as variações em cima das possibilidades de “terapia de aversão” que serviram (e ainda servem) como desculpa para promover algumas sessões de tortura moderna.
Mas como uma abordagem behaviorista correta usa a terapia de aversão?
Pelo que me recordo, a aversão tem menos resultado que o reforço positivo, seu uso não é tão eficaz e quase sempre se restringe a presença do estímulo aversivo (ou seja, o comportamento tende a persistir fora dessas condições).
Mas, tanto no comportamento humano como no adestramento de animais sociáveis, como cachorros, uma forma simples e eficaz de aversão ainda usada é a desaprovação. Por behavioristas, adestradores e mães e pais em geral.
Bom, sei que muitos amigos meus que saíram do armário tem problemas com a desaprovação dos pais ao novo “modus vivendi”. O efeito seria análogo?
Exatamente esse efeito.
Mas é razoavelmente eficiente. As marcas muitas vezes não são nada fáceis de apagar.
Sim, sem dúvida. Aí entram também as questões éticas.
Mas a ética (médica?) em casos relacionados a sexualidade flutua ao sabor dos tempos, e são penetradas pelo gênero, por exemplo, ou por questões de sexualidades e sexualismos. Veja Malafaya, que horror.