If these walls could talk 2, título original do filme Desejo Proibido é uma obra que trata do amor entre mulheres através do tempo. Tendo por base as vicissitudes de casais lésbicos que viveram na mesma casa durante cinquenta anos, o filme mostrou com humor e delicadeza as maneiras como a homossexualidade foi vivida por alguns e enquadrada por outros ao longo deste período. Protagonizado por nomes de peso, como Vanessa Redgrave e Sharon Stone, além da presença da apresentadora americana Ellen DeGeneres, o filme funcionou bem como um chamado a reflexão sobre sexualidades e preconceitos.
O primeiro momento, que se passou no começo dos anos 1960, retratou os dilemas de Edith (a magistral Vanessa Redgrave) que perdeu sua esposa de toda a vida, Abby (Marian Seldes) e precisou lidar com a dor da perda ao lado da invisibilidade e do preconceito contra sua orientação sexual. O curta tem dois momentos, por assim dizer, interligados pela sequência da morte de Abby no hospital: o primeiro mostra o mundo seguro que as duas haviam criado em sua residência, afastada de olhos curiosos; o segundo, o desmonte deste mundo seguro pelo sobrinho e herdeiro de Abby, Ted, acompanhado de sua própria família. Em pauta a crueldade tremenda de se negar a união homossexual e por consequência falta de direitos e insegurança jurídica que daí decorre. De certa forma, o tom sombrio de tragédia esteve em consonância com a geração dos anos 1950 e começo dos 1960, marcada pelo medo da guerra mundial e um recrudescimento dos costumes à luz do macarthismo e da rejeição de tudo que fosse sequer um pouco dissonante de rígidos padrões morais.
O segundo momento teve lugar nos anos 1970. Desta vez, o foco foi um grupo de amigas lésbicas, estudantes da universidade e que se identificavam com os ideais do nascente movimento feminista, passando a questionar a condição de mulheres e de padrões de comportamento que são impostos ao gênero feminino. O filme se torna mais interessante quando uma delas, Linda (Michelle Williams) se apaixona por uma lésbica que se veste e se comporta como homem, chamada Amy (Chlöe Sevigny) para desagrado das amigas que viam neste jeito de ser mais masculinizada uma forma de opressão que precisava ser algo a ser combatida e deixada de lado. O preconceito, assim, foi demonstrado no filme tanto no movimento feminista que rejeitou o grupo de amigas em função de sua homossexualidade, sobretudo quando elas se recusaram a permanecer numa condição de invisibilidade; quanto entre as próprias amigas de Linda que tiveram um olhar preconceituoso sobre as lésbicas que usavam roupas, gestos e hábitos associados ao masculino.
O terceiro curta-metragem, ambientado nos anos 2000, retratou os dilemas de Fran e Kal (respectivamente Sharon Stone e Elle DeGeneres) um casal que desejava ter filhos e passou a lidar com problemas associadas à formação de famílias por casais GLBTTT, fosse com doadores que não teriam contato nenhum com a criança, fosse à eleição do melhor sêmen de um banco, fosse ainda a dilemas existenciais mais abstratos: Fran lamenta que a fecundação de Kal seja algo que requeira planejamento tão preciso, e não apenas um acidente, fruto de uma noite de amor; ou ainda a tristeza de Kal de trazer uma criança a um mundo repleto de preconceitos.
Em seu conjunto, tratou-se de uma obra consistente, embora desigual na qualidade dos curtas: os dois primeiros, pela proximidade temporal e pelo nó de transformações sociais que englobam as décadas de 1960 e 1970 dialogam entre si com enorme sucesso. O primeiro curta-metragem coloca em pauta questões como importantes e que tocam de perto o século XXI: o preconceito contra homossexuais tanto na modalidade direta, numa cena na qual Edith e Abby vão ao cinema e são vítimas dos risinhos de jovens; quanto institucional, quando o Estado não ofereceu qualquer garantia social para Edith, que viu o lar e seu mundo despedaçado com a morte da parceira, sem puder buscar qualquer forma de auxílio ou reconhecimento de direito. Outro tema que foi colocado em pauta e que permaneceu em discussão no universo GLBTTT é o da vida de gays maduros e idosos. A sensação de perda, no caso de Edith é devastadora não apenas pela perda em si, como pela impossibilidade de expressar, compartilhar e vivenciar seu luto em qualquer esfera de sua comunidade: seja na interação com funcionários do hospital, ou pessoas passando por situação semelhante até a família, todo laço de afeto que construiu foi silenciado em nome de dolorosa proteção da invisibilidade.
O preconceito retratado na primeira parte do filme adquiriu uma natureza diferente no segundo curta-metragem. Ele se matiza, e passa a ser percebido não apenas nas instituições sociais como universidade ou movimento feminista; mas individualmente, dentro de cada um e cruzado com preconceitos de classe, por exemplo, em diálogo ora harmônico ora tenso com as diversas identidades que a modernidade permite que sejam assumidas (HALL, 2011, p. 19-20). O grupo de lésbicas marginalizado pelo movimento feminista também marginalizou aquelas que frequentavam um bar (descrito como uma espelunca) e que não correspondiam ao seu padrão de mulher e na forma de se vestir. Neste sentido, o debate sobre conservadorismo e revolução que esteve no cerne da contracultura nos anos 1960 e explode em 1968 ganhou outros contornos: houve movimentos do Maio de 1968 que mais tarde assumiram uma mensagem reformista (e até mesmo conservadora) com razoável grau de sucesso. O movimento feminista que marginalizou as lésbicas parece representar este grupo (Remónd, 1983). Isto não implica um juízo de valor, mas sim que pelo menos em certos setores do movimento feminista a aceitação era condicionada a certos critérios – no caso, orientação sexual.
O terceiro filme foi o menos bem amarrando dos três. A razão é simples: primeiro, passaram-se quase quarenta anos entre o segundo e o terceiro curta-metragem. Assim, foi mais difícil reconhecer o mesmo debate dos primeiros. O preconceito apareceu, mas dando a entender ser muito mais fraco do que nos anos 1960 e em 1970. Nisto reside talvez um problema do filme: retratar as transformações do preconceito pensando não em de que forma ele se tornou mais sofisticado ou sutil; mas sim do ponto de vista otimista (ainda que não sem razão) de que ele teria se tornado mais fraco. Como o casal termina sendo construído de forma mais “quadrada” – monogâmico, socialmente bem de vida, com acesso a bens e serviços que exigiriam alto poder aquisitivo, no que parece a adoção do pink money – os dilemas são menos salientes neste curta.
Na sua totalidade, porém, mereceu ser assistido. Pela atuação inspirada de Vanessa Redgrave no primeiro filme, que comunicou toda a dor da perda de uma esposa ou de referências seguras, sem artificialidade ou exagero. E mais ainda pelas questões que o segundo curta lança de forma leve e bem humorada – mas que escondem, por exemplo, um chamado a autocrítica dos nossos próprios preconceitos, mesmo quando numa posição de marginalidade.
Referências:
HALL, Stuart. A Identidade cultural na pós modernidade. 11ª Edição. Rio de Janeiro: DP&A, 2011. 102 p.
RÉMOND, René. Seculo xx: De 1914 aos nossos dias. 3ª edição. São paulo: Cultrix, 1982. 3v.