Mambo Italiano (2003)

Nesta comédia de 2003, o diretor Émile Gaudreault retratou com maestria a acomodação da homossexualidade por uma tradicional – ou nem tanto – família italiana. O longa gira em torno da saída do armário de Angelo Barberini (Luke Kirby) o filho mais novo de um casal de imigrantes italianos que vivem confortavelmente instalados num bairro italiano numa grande cidade canadense. Angelo está longe de ser o filho ideal para Gino (Paul Sorvino) e Maria (Ginette Reno): além de não desejar seguir a profissão dos sonhos dos pais, como advogado, o jovem se sente preso às aspirações e preconceitos da comunidade onde vive. Além destas questões, Angelo tem outro grande segredo: é homossexual no armário para a família, e morre de medo que os pais descubram seu grande segredo.

O longa nos transfere, logo nos seus primeiros minutos para o passado e presente imediato de Angelo, mostrando como a homossexualidade desviante sempre foi um problema desde a infância. Na escola, seus colegas o humilhavam, e o bullying termina separando Angelo de seu melhor amigo de infância, Nino Paventi (Peter Miller). Junto com a criação sufocante dos pais e a morte da tia Yollanda (Tara Nicodemo), única pessoa que parecia compreender o inconformismo de Angelo, estes fatos perseguem o protagonistas como fantasmas poderosos até o final do filme. A solução inicial que Angelo encontra é sair da casa dos pais aos 27 anos, o que gera uma crise familiar profunda, afinal, qualquer saída antes do casamento ou da morte parece prematura na tradicional família Barberini.

A trama do filme passa, então, para o enredo principal com o relacionamento secreto entre Nino e Angelo, que voltaram a ser amigos depois de tantos anos de afastamento. Inicialmente satisfeito com o segredo, rapidamente Angelo se desgasta com as mentiras que precisa contar aos pais, que insistem em arrumar belas moças para sair com o filho. A saída do armário precipita a descoberta do relacionamento entre Angelo e Nino, e desencadeia a crise das duas famílias em como lidar com dois “omossessuales”. Aqui o longa começa a ganhar mais profundidade, sem deixar de lado o humor: enquanto os Barberini saem de um contexto de negação para a aceitação do filho, tentando acomodar tanto a tradição de uma família italiana quanto as diferenças e inconformidades que Angelo apresenta, a mãe viúva de Nino, Lina Paventi (Mary Walsh) simplesmente opta por ignorar a homossexualidade do seu filho. Nino não é homossexual, mas sim um comedor, que passava por uma fase da qual em breve sairia. Lina ao longo do filme procura vencer pelo cansaço a resistência de Nino, tentando conformar seu filho ao papel para o qual ele parecia destinado: policial respeitável, filho adorado, marido perfeito. O resultado deste empreendimento é o matrimônio de Nino com a pouco respeitável Pina Lunetti (Sophie Lorain), também colega de escola dos rapazes.

A acomodação da homossexualidade pela família, no filme, é mostrada sobre estes dois prismas, bastante diversos entre si. Por um lado, a aceitação lenta e gradual pelos Barberini; por outro, a opção de ignorar e mascarar pelos Paventi. Sem fazer necessariamente um elogio de um e outro, o diretor demonstra com maestria como o processo de identificação com algo – uma comunidade, neste caso – é negociado e mediado por valores e aspirações com as quais os personagens são criados (HALL, 2011, p.p 77-91). Angelo sempre experimentou uma masculinidade subalternizada, e de certa forma esta experiência de estar à margem abria espaço para que ele buscasse outras referências, externas ao mundo da comunidade italiana. Assim, Angelo experimenta a visita, por exemplo, ao gay village, o bairro gay. Após a visita, embora assuma um discurso de rejeição da identidade gay, Angelo não deixa de se sentir questionado por ela a ponto de admitir a possibilidade de se encontrar naquela comunidade. Mais: a rejeição da identidade gay e do bairro gay parece ser causada muito mais por uma pressão externa do que por uma opção deliberada de Angelo. Assim, o personagem admite odiar o bairro gay apenas quando Nino se aborrece pela visita. Da mesma forma, Angelo se pergunta a razão do namorado não desejar pertencer à associação de policiais gays – demonstrando o quanto o seu pertencimento a identidade comunal criada no bairro italiano é em verdade frágil e sujeita a adaptações.

Isto explica, inclusive, a dimensão humana de Nino e Angelo. O primeiro não admite a identidade gay, e tenta sublimar ou, na impossibilidade, ocultar seus desejos por homens. Inclusive o casamento não o impede de se relacionar com outros homens fora do leito conjugal, colocando em dúvida a “conversão” que Pina afirmava ter realizado. O desejo por homens e a rejeição da identidade gay aproxima Nino da ambiguidade do comedor, tensionado entre desejo e papel social. Neste sentido, o momento no qual as famílias mais se hostilizam é quando Lina e Gino discutem quem é o ativo e o passivo da relação.

Por sua vez, Angelo não é um protagonista heroico. Revela-se muitas vezes grosseiro com os pais, intragável com a irmã e pouco compreensivo com o namorado. Em dado momento, quando decide se tornar voluntário no tele-ajuda gay, Angelo é incapaz de mostrar algum nível de empatia com o sofrimento alheio. Ao mesmo tempo, diz desgostar de efeminados. Neste momento em especial demonstra uma marca muito comum entre gays: a rejeição da efeminação, como se de alguma forma a aproximação com o feminino fosse algo deletério, que deve ser evitado a todo custo. Colocando esta frase na boca do protagonista, o diretor não apenas o aproxima do telespectador, como ironiza o preconceito de Angelo: embora diga isto dos efeminados, é notável a própria aparência pouco máscula do personagem, que permite que ele seja pensado como tão efeminado como aqueles que ele critica.

Usando com inteligência ironia e humor, o diretor constrói uma comédia leve, onde os personagens são seres humanos fragmentados constantemente negociando e construindo suas identidades. Entre estar no bairro gay ou no bairro italiano, Angelo e Nino adaptam e negociam os termos do exercício de sua sexualidade, com maior ou menor sucesso. Sem falsos moralismos, o filme destaca o aspecto mais construtivo da identidade gay ou heterossexual, proporcionando uma interessante reflexão sobre preconceitos, família, aceitação e homossexualidade.

Referências:
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro, RJ: DP & A, 2006. 102 p.

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