Neste interessante longa, o diretor Duncan Tucker apresentou o momento crucial da vida da transgênero Bree (Felicity Huffman): prestes a realizar a cirurgia de redesignação sexual, Bree está ansiosa para receber o aval da terapeuta; neste meio tempo, é procurada pela polícia que está com seu desconhecido filho adolescente, o rebelde Toby (Kevin Zegers, lindo), acusado de porte de drogas. A princípio Bree ocultou do jovem a relação que existia entre ambos, mas foi forçada a lidar com expectativas frustradas e velhos fantasmas quando a permissão para a cirurgia se condicionou a passar algum tempo e conhecer – e aceitar – a existência de um filho.
Começa assim um road movie, com direito a reviravoltas: o abuso sexual que Toby sofreu do padrasto, acampamentos, um affair entre Bree e um descendente de indígenas num bar de beira de estrada, sem falar na terrível avó de Toby (Venida Evans), preconceituosa mulher da elite no interior dos Estados Unidos.
Não se trata de um filme sobre problemas que se resolvem com facilidade. Bree enfrentou grandes dificuldades em aceitar o lugar de figura “familiar” de Toby, bem como a própria forma de agir do rapaz; por outro lado, Toby se sente confuso primeiro com a descoberta de que Bree era uma transexual, e, depois, seu pai biológico. Além disto, a família de Bree continua irredutível, sem aceitar “imperfeições”: a experiência transexual e transgênero de Bree, e a condição de ex-dependente química de sua irmã.
Por outro lado, a viagem não foi apenas geográfica: para Bree e Toby, o processo de proximidade e afeto se constrói nas dificuldades criadas pelas posições irredutíveis dos dois: por um lado, o perigo que Toby representa para o grande sonho de Bree – nas palavras dela mesmo, “se tornar uma mulher de verdade”; por outro, Toby encontra uma enorme dificuldade em aceitar Bree como algo mais que uma idiota da qual pode tirar vantagem, ou uma pervertida. Entretanto, entre as duas posições se construiu um caminho de diálogo e respeito, a partir do momento que apenas Toby e Bree reconhecem a dimensão humana um do outro: enquanto antes os dois veem o mundo como um lugar formado por pessoas que desejam tirar partido de alguma forma, e terminam por organizar suas relações em torno desta premissa, foi a partir da viagem em busca de si próprios que Bree e Toby forjam um laço de afeto duradouro, como ficou claro no final do filme.
Uma discussão fundamental do filme diz respeito ao preconceito sofridos por transexuais e transgêneros. Tanto da parte dos médicos – a primeira cena com Bree no hospital, angustiada em dar a resposta “certa” para obter o direito de fazer a cirurgia mostrou a enorme carga de preconceitos que persiste mesmo em profissionais que deveriam estar habilitados para tratar a questão com o devido cuidado[1].
[1] Recentemente, na página Travesti Reflexiva foi postado um texto sobre a hipocrisia, que dimensiona o problema em profissionais desta área: https://www.facebook.com/TReflexiva/posts/168969076607049
Coordenador do Núcleo UniSex, escreve sobre cultura LGBTQIA+, comportamento digital e saúde mental. Atua como psicoterapeuta afirmativo e de casais/famílias diversas em neuropsipro.com.
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