Pequenos sinais

Um alento numa esquina da banca de jornal

No começo da década passada — estou falando de 2012, ou 2013, eu comecei a notar um aumento de produções artísticas LGBTQIAP+ visíveis. Isso quer dizer que filmes, como Clube de Compras Dallas (2013), Tatuagem (2013) Praia do Futuro (2014) mas, sobretudo, literatura e quadrinhos, podiam ser encontrados com alguma facilidade. Para quem passou boa parte da adolescência entre livros de mitologia com homens nus e alguns clássicos melancólicos (Memórias de Adriano) e/ou extremamente sutis (As Brumas de Avalon) e caros (Sandman).

Quando uma grande rede de livrarias abriu na minha cidade, uma das coisas que me surpreendeu positivamente foi a quantidade de títulos LGBTQ+. Devassos no Paraíso, Morangos Mofados. O meu preferido, Onde andará Dulce Veiga?; os quadrinhos de Alisson Bechdel (Fun Home, Você é minha mãe) estavam, pela primeira vez na minha vida, disponíveis com facilidade. Era um cantinho discreto e, digamos, ‘fora do meio’ (dos clientes) mais apressados. Mas era reconfortante saber que existia.

O cantinho durou alguns anos. Os dois primeiros no local charmoso em que estava — segundo andar, perto dos discos e do café da livraria; depois, mudou para um canto mais remoto, perto das desprestigiadas Humanidades. Com o tempo, eu descobri: outra administração, outra leitura de mundo, mais excludente. E, para ser honesto, nos idos de 2015, já havia indícios da consolidação de um reacionarismo tacanho na sociedade brasileira. Mais de uma vez eu vi pessoas fazendo careta ao ver capas de filme que revelavam um pouco demais do corpo, ou livros e quadrinhos que tinham as palavras ‘gay’ ‘trans’ ou ‘lésbica’. E foi piorando. Talvez por acaso, talvez ano, quando o Queermuseu foi fechado em 2017 o cantinho LGBTQ+ da livraria sumiu. E a mistura de Sucupira com Macondo foi ficando indigerível.

A foto está péssima — entre a pressa de ir embora e o risco do vendedor tirar o mangá, foi o possível. Uma foto da capa pode ser vista aqui

Veja, os títulos ainda estavam ali. Eu podia encontrar na livraria, se quisesse, pelo nome do autor, título ou ano. Mas não estavam reunidos, indexados. Uma forma de ocultar e esquecer é colocar fora do catálogo. Ou melhor ainda: deixar fora do mapa, do mostruário daquela grande rede de lojas.

Isso só fez piorar com o trágico ano de 2018 e a eleição do excremetíssimo presidente miliciano. Se nas bolhas digitais pessoas sexo-gênero diversas se fizeram mais visíveis e produziram mais, muito mais, como crítica a ascensão do fascismo, por outro a sociedade se deslocou mais e mais para o um reacionarismo tacanho e imbecil. Oito anos depois do ‘fora Feliciano’, pessoas acreditavam realmente em mamadeira de piroca.

Então, uns dias atrás, vi uma coisa que me deu algum alento (Esperança é uma palavra muito forte). Numa despretensiosa banca de jornal, que vende comics e mangás, vi uma das histórias mais fofinhas de Gengoroh Tagame: o Marido do meu irmão. Não estava oculto, disfarçado, mas ali, na frente de todas e todos os clientes. Talvez oculto, mas visível, convidado interessadas e interessados a ler uma narrativa que tem com centro experiências LGBTQ+.

Não é perfeito. Não é o cantinho que me encheu de uma bruma leve de esperança em 2012, 2013. Mas, num Brasil que fecha livrarias e abre clubes de tiro (joga as armas pra lá, joga as armas pra lá, faz a festa), é o pequeno de sinal de algumas brigas que valem a pena serem lutadas — mesmo quando o resultado é incerto, ou elas não são duradouras. Quem sabe? Certa subliteratura religiosa começou a fazer sucesso sendo vendida assim. Talvez em dez anos eu ainda veja este mangá sendo vendido nas populares revistinhas, e uma mãe ou avó tire para dar de presente. E eu meu maior problema seja a qualidade do papel e a pouca quantidade de títulos. Quem sabe? mistério (ainda) há de sempre pintar por aí.

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