Algumas vezes vemos políticos e celebridades envolvidas com polêmicas e processos com grupos ativistas por declarações homofóbicas. Embora em algumas delas os alvos principais da declaração sejam os próprios homossexuais (dizer, por exemplo, que um gay deve apanhar por ter-lhe paquerado), na maioria dos casos a homofobia se manifesta como depreciação da homossexualidade através do xingamento a uma terceira pessoa (fulano é “viado”). Curiosamente, muitos não enxergam homofobia nisso.
Quando um político chama seu oponente de “viado” ou uma celebridade compara fãs à “boiolas”, ele está fazendo um juízo de valor. A mensagem é bem clara: ser homossexual é algum muito ruim, algo que ninguém quer ser e, por tanto, serve de xingamento. Não há muito como fugir ao consenso que, fora situações inusitadadas, ninguém é “xingado” de heterossexual, milionário ou lindo. Então, por que tanto homossexuais parecem relutantes em enxergar a natureza homofóbica destas declarações? Consigo perceber duas correntes nesse discurso: a naturalização da homofobia e a auto-depreciação.
O primeiro aspecto está posto diante de nossos olhos: a população ainda usa a homossexualidade de forma depreciativa diariamente. A comunicação, em particular a masculina, muitas vezes inclui a afirmação de masculinidade através da negação da homossexualidade e brincadeiras de natureza homofóbica são moeda de troca comum nas sociabilizações, festinhas ou na mesa de bar. É um assunto fácil, uma piada pronta para se enturmar com novas pessoas. Bem, nem sempre. Hoje algumas pessoas já demonstram seu desconforto quando alguém novo faz uma piadinha homofóbica e o sujeito fica sabendo que fulano, que pertence ao grupo, é gay. Descoberta a gafe, as piadas podem até não desaparecer completamente, mas certamente distanciam-se daquele circulo. Mas essa situação é a exceção, via de regra, gays acostumaram-se com as piadas e xingamentos referente as homossexualidade que aprendem a ser surdos, de tão naturais, ignoram as declarações como se não lhes dissessem respeito e não fossem mais capazes de causar indignação. É um mecanismo de defesa compreensível em ambientes hostis, talvez a única forma de sobrevivência (psicológica ou mesmo física) de muitas pessoas. Mas perder a capacidade de indignar-se também tem seu preço alto, e aqui entra o segundo fator: a auto-depreciação.
Me pergunto se há tantos homossexuais que não vêem problema nenhum em seu ídolo usar a homossexualidade como xingamento e forma de depreciação justamente porque, em certa medida, eles de fato acreditam nesta valoração e que a homossexualidade teria algo de inferior? Ora, minha suspeita encontra eco na incrível quantidade de homossexuais que se utiliza de xingamentos homofóbicos entre si. Claro, não me refiro as brincadeiras e as resignificações que são feitas com certas palavras: viado, por exemplo, é muito usado com intenção de familiaridade e intimidade (aliás, heteros também o fazem entre si). O que está em questão aqui é a possibilidade de não perdemos a sensibilidade diante do uso depreciativo dessas palavras no contexto de ofensas.
Indignar-se é bom, faz bem não aceitar indiferente todas as manifestações de desvalorização que se apresentam. Não afirmo com isto que todos podem e devem se levantar e reclamar a cada declaração homofóbica pois há contextos em que isso implica em ameaça a própria sobrevivência. Mas isso não significa, por outro lado, que é preciso aceitar pacificamente. Da próxima vez que alguém, achando que vai lhe divertir, fizer uma declaração ou piadinha homofóbica que tal, ao invés de devolver aquele sorriso amarelo e constrangido, não rir e, quem sabe, franzir as sobrancelhas? Um gesto simples, um silêncio de não concordância, uma expressão de desaprovação, pode iniciar uma micro-revolução ao seu redor e lhe garanto, vai fazer você se sentir bem melhor quando olhar no espelho.
Coordenador do Núcleo UniSex, escreve sobre cultura LGBTQIA+, comportamento digital e saúde mental. Atua como psicoterapeuta afirmativo e de casais/famílias diversas em neuropsipro.com.